Optar é renunciar.
Entregar-se, por exemplo, a um amor, é abandonar outros. E, do que
se renuncia e abandona, pode provir, depois arrependimento. Afastar
-se de um amor, ainda que, opção feita por lúcidas razões, pode
gerar, adiante, a frustração pelo que se deixou de viver. Os casos
de amor vivem rondados por frustração ou arrependimento. Não o amor,
que é íntegro, irrefutável, cristalino e indubitável, mas sim os
amantes, seus portadores.
Quase sempre o tamanho do amor é maior que o dos amantes.
O que cerca as pessoas que se amam é sempre uma teia de limitações
que o leva à disjuntiva: frustração ou arrependimento. Ou quem ama
se entrega ao sentimento e se atira nos braços do outro para,
depois, se arrepender do que abandonou para entregar-se ao amor, ou
se afasta, cheio de lucidez, para, adiante, sentir frustração pelo
que deixou de viver.
Estes estão na categoria assim definida de modo cruel mas lúcido por
Goethe:
"No amor, ganha quem foge"...
Ou como disse o grande Orizon Carneiro Muniz:
"No amor, é mais forte quem cede".
Na juventude tudo isso fica confuso porque esta é uma etapa da vida
envolta em uma névoa amorosa que a torna radical na busca da
felicidade. O jovem ainda não se defrontou com as terríveis e
dilacerantes divisões internas de que é feita a tarefa de viver e
amar, aceitando as próprias limitações, confusões, os caminhos
paralelos e contraditórios das escolhas, dentro de um todo que, para
se harmonizar, precisa viver as divisões, os sofrimentos e os
açoites das mentiras e enganos que conduzem as nossas verdades mais
profundas.
Séculos de repressão do corpo e de identificação do prazer com o
pecado ou o proibido fizeram uma espécie de cárie na alma. É um
buraco, um vazio, uma impossibilidade viver o que se quer, uma
certeza antecipada de que o amor verdadeiro gera ou arrependimento
ou frustração.
Viver implica, pois, aceitar essa dolorosa e desafiante tarefa: a de
enfrentar o amor como a maior das maravilhas e que se nos apresenta
sob a forma de enigma. Tudo o que se move dentro do amor está
carregado de enigmas.
E com o enigma dá-se o seguinte: enfrentá-lo não é resolvê-lo. Mas
quando não se o enfrenta, ele (enigma) nos devora. Enfrentar o
enigma mesmo sem o deslindar, é aquecer e encantar a vida, é
aprender a viver; é amadurecer.
Exige trabalho interior penoso, grandeza, equilíbrio e auto-
conhecimento.
O contrário não é viver: é durar.
Artur da Távola
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