Quando a médica chegou ao quarto do seu paciente de 8 anos, que era portador de um câncer terminal, viu um outro menino, sentado à janela. Como os pais falassem somente a respeito do doente, ela deduziu que aquele garotinho devia ser um vizinho, um coleguinha do enfermo, em visita.
Depois de algum tempo, descobriu que ele era o irmão menor. Tinha 7
anos e parecia estar alheio a tudo.
Para alguém preparada para lidar com a morte, pois sua especialidade
é tratar de doentes terminais, a Dra. Elisabeth diagnosticou que o
maior enfermo era aquele.
Assim, ao concluir a consulta, pediu a ele se o poderia levar até
seu carro.
- Eu? - falou, reagindo à sua presença, pela primeira vez.
- Sim, você! - E dirigiu aos pais um olhar, como a lhes dizer:
"deixem-me sozinha com ele!"
Ela o convidou a entrar em seu carro e ele logo expressou:
- Acho que você sabe que tenho asma.
E continuou tristemente:
- Mas isso não adianta muito.
- Como assim, não adianta muito?
Era grande o drama daquele menino de 7 anos. Carregava o peso de não
se sentir amado. Os pais, contou, davam tudo ao irmão, porque tinha
câncer e talvez não vivesse muito mais.
Compraram-lhe trens elétricos, levaram-no à Disneylândia. Nada era
pouco para quem poderia morrer a qualquer momento.
- Para mim - disse choroso - quando pedi a meu pai uma bola de
futebol, ele disse não. E quando lhe perguntei por que não, ele
ficou muito zangado e disse: "você preferiria ter um câncer?"
Imaginemos a tragédia íntima desse menino de apenas 7 anos.
A mensagem que recebeu foi a de que não era suficientemente doente
para ter um desejo atendido.
Na sua cabecinha, a idéia era: se meu irmão consegue brinquedos
melhores à medida que fica mais doente, talvez eu não esteja doente
o bastante. Preciso ficar mais doente.
A história, que é verídica, nos leva a pensar em como, em nossa dor,
por vezes, nos tornamos injustos. Esquecemos que todos os filhos
devem se sentir amados. Mesmo que um deles nos exija maiores
cuidados, por questões próprias, não podemos e nem devemos esquecer
os demais.
Uma criança, assim relegada, pode desenvolver o que se chama de
doença psicossomática. Quanto mais adoece, maior o presente que ele
acha que vai receber.
Quando se tornar adulto, pode se tornar um grande manipulador.
Sempre que quiser alguma coisa, terá um ataque cardíaco dramático.
Ou um ataque de asma. Ou, pode até vir a desejar que o irmão logo se
vá, porque então as atenções retornarão para ele, o filho que
sobrou.
Naturalmente, isso desenvolverá nele um sentimento de culpa, que o
poderá martirizar pelo resto da vida.
Um garotinho assim precisa de alguém que o ajude a expressar a sua
tristeza, para que sua tristeza não o adoeça ainda mais. Precisa de
quem saia com ele e lhe mostre que não há necessidade de ficar
doente para ter atenção.
Todas as crianças precisam de amor e se o recebem, não terão que
desenvolver doença alguma para competir com quem quer que seja. Até
mesmo com um irmão enfermo.
Pense nisso. As crianças entendem tudo literalmente. Na qualidade de
pais ou educadores, necessitamos aprender a controlar o que dizemos
e como nos expressamos.
Em nossas vidas, podemos realizar um grande trabalho de medicina e
de psiquiatria preventiva, se fizermos as crianças entenderem que
não precisam ficar doentes para serem amadas. Desde cedo, devem
receber a mensagem de que o amor é incondicional.
Baseado no cap. O casulo e a borboleta, do livro "O túnel e a luz",
da Dra. Elisabeth Kübler-Ross
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